Madame Chumaço
DRIELY ALVES
Difícil falar de minha história com a palhaçaria,
mais difícil ainda colocar em 16 linhas, por isso vamos começar do início e ver
até onde vai...
Quando nasci o
céu desabava com tanta chuva, um médico me batia e ao sair do hospital minha
mãe sem querer bateu minha cabeça na porta, eu chorei e naquele mesmo dia eu
sorri. Assim seguiu a vida em meio a chuvas, quedas, batidas e risos me
descobri palhaça, todavia demorei um tempo para entender.
Quando criança
era considerada uma menina estranha, mas gosto de usar o termo excêntrico.
Não gostava
que me olhassem e muito menos que rissem do meu jeito ser, mas no começo não me
importava tanto por que não entendia o que acontecia, não entendia por que
minha colega de sala me chamara de “diabinho preto” e creio que ela também
não entendia, mas mesmo assim briguei com ela no meio da rua, (seria meu
primeiro espetáculo de rua? hauahuahauaha). Chorei muito na hora, não gostava
de brigar, mas naquela tarde, naquele dia eu ri.
Anos depois
estudando sobre o riso pude ver que desde o início dos tempos o homem por
muitas vezes usa o riso como uma forma de defesa contra o medo.
O riso surge
nos momentos mais dramáticos, como uma válvula de escape nas tensões do grupo.
Os antigos perceberam isso e o riso sempre fez parte de rituais sagrados.
Assim, em diferentes culturas encontramos figuras de mascarados que dão gritos
e dançam danças exageradas, provocando espanto, medo e, por isso mesmo, o riso.
Algo próximo do medo que as crianças sentem do palhaço. Medo e atração, medo e
fascinação: tudo junto. CASTRO (2005, p.18)
Segundo Castro, ridicularizar o mal é uma das melhores
formas de vencê-lo, por isso vamos encontrar o diabo a principal figura do mal
como um personagem com papel cômico. Sendo assim cheguei a conclusão de talvez
minha coleguinha e meus outros colegas tivessem medo de mim, pois eu era a
única aluna de negra da sala e uma das poucas na escola, e por muitos anos a
única amiga negra dos meus amigos. Talvez a cor da minha pele provocasse certo
estranhamento de modo que tentavam perder seus medos rindo de mim (uma hipótese
absurda, mas que gosto de crer).
Foi entrando na adolescência
que comecei a entender que a cor da minha pele não era a cor da pele das
demais colegas, meu cabelo não era como o das outras meninas e o meu gosto
também não. Antes de qualquer coisa me descobri negra e apaixonada pelas artes
então sorri, mas pior, ou melhor, foi depois quando me descobri mulher, negra,
pobre, professora de artes e palhaça. É pra rir ou para chorar? Quase sempre as
duas coisas.
Meu contato mais intenso com as
artes se deu em 2004 quando tive a oportunidade de entrar em na OSCIP Casa de
Ensaio, “uma escola de verdade só que de brincadeiras”, ali tínhamos oficinas
de teatro, música, dança, jogos tradicionais e artes visuais.
Eu e meu irmão mais novo nunca
tínhamos ido sozinhos ao centro da cidade, morávamos em um bairro da periferia,
para as más línguas conhecido como um dos mais violentos da cidade, o que creio
não ser verdade.
Eu tinha 15 anos e meu irmão tinha 10
e morríamos de enjoo de andar de ônibus, então ele deitava no meu colo e
dormíamos até chegar ao ponto de descida. No inicio meu pai nos levava de
bicicleta até aprendermos o caminho. No final de 2004 foi a primeira vez que
senti o cheiro do teatro, apresentamos o espetáculo “Vamos Mambembar”, uma
releitura de “O Mambembe” de Mario de Andrade, eu era corista da cena musical
onde meu irmão interpretava o Grande Otelo, não tínhamos fala somente dança,
dublagem e um momento especial onde jogávamos capoeira.
Nos ensaios quando assistíamos filmes
com Grande Otelo me identificava com ele, me sentia um pouco grande também.
Arthur Monteiro e Laís Doria, fundadores da casa de ensaio foram meus grandes
mestres que acreditaram em mim quando eu não acreditava apesar de ser
arredia e quase nunca me aproximar, sempre os admirei.
Em 2007 cai de pára-quedas em
uma oficina de palhaço com Ana Luiza Cardoso, a Margarida, no Festival Nacional
de Teatro de Campo Grande, o FESTCAMP. Até então para mim palhaço era um
desconhecido de quem tinha muito medo de conhecer. Em meio a oficina percebi
que queria ser aquele desconhecido, e foi neste momento também que
descobri o quanto é difícil ser.
Estávamos fazendo um jogo onde quatro
pessoas se posicionavam lado a lado e as demais ficavam observando, eu era um
dos quatro, Ana pediu que de uma vez déssemos uma receita em italiano e em um
momento pediu que todos se calassem e somente eu falasse. Gelei, tremi e segui
falando quando ela me interrompeu e disse que eu não estava falando em
italiano, tudo fazia parte do jogo, mas naquele momento emudeci alguns segundos
depois entendi que não importava se eu realmente falava em italiano ou não, o
que realmente importava era o que eu acreditava e tão pude fazer com verdade e
neste momento me descobri palhaça.
Dois anos depois ouvi pela primeira
vez um dos princípios do palhaço segundo Avner “é essencial ser interessado,
não ser interessante”.
Na casa de ensaio pude conhecer e
aprender coisas para a vida inteira foi uma grande incubadora e melhor do
entrar na casa de ensaio foi sair, e sair já com o palhaço em meu coração e na
minha cabeça a frase que Arthur costumava dizer “Uma vez borboleta nunca mais casulo”.
Sai da casa de ensaio em 2009, estava
no primeiro semestre de artes visuais e queria de todo coração ser palhaça, mas
ainda tinha medo e não sabia como nem por onde começar. Cada espetáculo de
palhaços que assistia ao vivo ou mesmo pela internet, cada livro que lia, cada
filme que assistia ia alimentando minha fome de saber mais e de querer mais
então decidi que a melhor forma de começar era começando.
A primeira vez que me vesti de palhaça
e que coloquei um nariz (daqueles de festinha) eu seguia um tipo masculino,
pois minhas maiores referências sempre foram masculinas, desde criança meus
amigos eram meninos, meus três irmãos eram meninos e até meus cachorros eram
machos.
Muitas mulheres quando começam a
buscar ser palhaço, deparam-se com um tipo masculino. Coisa mito normal e
facilmente explicada num mundo ainda tão dominado pelos homens e onde as
referências masculinas são abundantes e fortes. Há que se considerar ainda a
mulher _ ser com uma identidade própria e completa _ é uma novidade, coisa que
começou a ser admitida nos anos 60 do século que passou. No Brasil, o código
civil de 1943considerava a mulher parcialmente incapaz, assim como os índios e
os loucos. Ao buscar sua persona cômica é a grande chance da mulher
ver surgir forte um ser masculino e o fato de aceitá-lo e desenvolvê-lo é uma
decisão pessoal, intima e para a qual não cabe critica nem tentativa de interpretação
ou julgamento. CASTRO (2005, p.222)
Foi de estrema
importância para passar por este processo, e mais importante ainda encontrar e
desenvolver a minha feminilidade, até então oculta de mim e para os outros. Fiz
uma oficina com João Lima onde mais uma vez me descobri palhaça, uma semana de
oficina muito intensa, pois eu era uma desconhecida em meio a artistas
conhecidos de minha cidade. Nesta oficina recebi um nome CHUMAÇO, e vi
florescer uma palhaça mulher feminina.
A partir daí
comecei a aprender técnicas circenses junto com um grupo de amigos, ensinávamos
uns aos outros malabares, acrobacias, às vezes nos encaixávamos em oficinas ou
pedíamos ajuda as pessoas que realmente sabiam e trabalhavam com isso.
Logo começamos a trabalhar em festas e eventos para pagar a faculdade e foi
na primeira e única vez que trabalhamos no sinal que decidimos nos
tornarmos um grupo teatro.
O Grupo
Desnudos Del Nombre, formado por jovens amantes das artes no geral. Todavia eu
era a única que realmente se interessava pela arte da clownaria e tinha muita
vontade de montar uma gag ou uma cena curta, mas sozinha eu ainda não podia,
não conseguia. E foi assim que aos poucos fui convencendo cada integrante do
grupo até que escrevi nosso primeiro espetáculo de palhaços “El Magnífico
Duelo” e com a ajuda de todos montamos 10 minutos, que se transformaram nos
mais preciosos 50 minutos que temos atualmente.
Aí é o Início
de uma outra história.
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