O CORPO DE UMA PALHAÇA QUE TEM MUITO PARA FALAR (Lendo as palhaças do Brasil)
Falo aqui sobre o processo de criação de uma palhaça que está desbravando o mundo.
“Universos Meus” surgiu em um ambiente totalmente online no grupo de pesquisa Presença e Palhaçaria, uma experimentação de uma mulher que vê a possibilidade de brincar com pilhas de roupas encontradas na casa da avó e da possibilidade de dialogar com o público sobre um silenciamento de um corpo, corpos de mulheres que desde muito nova vem seguindo padrões e tenta se adequar os padrões.
Quando estava no processo de construção, eu tinha um pequeno quarto na
casa da minha avó, esse quarto era
meu refúgio em plena pandemia, eu e minhas coisas e uma construção iniciava ali, o meu universo particular e uma pilha
de tecidos no chão foi ai que as perguntas começaram
me nortear. O que fazer com isso?
Dias e dias entendendo o que ia fazer com esses tecidos, nisso o coração pedia
para me jogar nessas pilhas de tecidos, como um mergulho em uma piscina, tecidos
viraram água, nesse
corpo veio uma fala, a fala de uma palhaça
que começou a colocar o tecidos no corpo para ter mais peito, ter um corpo
escultural, da experimentação surgiu
a voz presa que queria gritar. Há muito tempo essa voz estava presa, 3 anos já. Na adolescência, na escola sempre me achei fora do padrão de beleza, e mesmo assim tentava me adequar a eles.
Escrever e reviver memórias e registros muitas vezes são libertadores e nos
fazem desabar, pois estamos de frente
com nossa verdade, e foi assim que dei o início no processo de escrita da minha cena solo. Comecei a
experimentar todos os dias, fazia a cena, refazia, tinha dias que eram frustrantes pois não saia nada, outros
dias surgiam coisas interessantes. O processo foi fazer rotinas de ensaios, foi
leve, sempre me dei bem com rotinas de ensaio, eram todos os dias de manhã uma palhaça e seu universo particular, nesses
ensaios começou a surgiu a ideia de: porque não fazer a cena cheia de etiquetas pelo corpo, já que havia deixado ser
etiquetada por muito tempo?
As etiquetas foram feitas a mão
desenhadas e pensadas em cada detalhe, o caderno era meu escudeiro anotações surgiram e em uma delas a frase
que encontrei no caderno “Muitas Malas de Roupa” que hoje fazem parte do espetáculo, cada detalhe é um costura/
bordado com a minha verdade, meu
olhar sincero para as mulheres e para o mundo, e libertar meu riso, para dizer
o quanto meu corpo é diferente do seu, mas é isso que é potente.
No ano de 2021, dia 13 de julho, veio a estreia
da cena solo no online, a conexão foi via zoom, mas o riso, a
potencialidade perpassa cada tela aberta,
lembro de terminar ofegante e tão pulsante,
porque tinha saído a voz de
uma menina que se assumia como mulher oficialmente agora. Nesse processo, ali estava minha mestra que me guiou, tinha muita gente ali que estava
comigo, uma delas a minha inspiração para estar
hoje aqui.
Passou um tempo da estreia e me jogando no abismo para alçar voos,
resolvi me apresentar no presencial,
as perspectivas mudam muito porque não estava mais na tela eu precisa exercer o olhar, a minha verdade muito
mais ampliada, não que no online não tivesse, mas ali eu estava com saudades
do olho a olho, mesmo com medo do mundo pois ainda não tínhamos
vacina para o COVID-19.
Foi lá a Maritaca, e foi naquele espaço, tempo, minuto que entendi que
não foi o meu corpo que foi
silenciado somente, mas o de muitas pessoas que foram silenciadas por ter que seguir no padrão. Iniciou um ponto de
partida da tela, e fui para o mundo.
Bom, o ano era 2022 e resolvi ir em uma fonte do Teatro Carlos Gomes em Blumenau/ SC, dizem que quando se joga uma moeda numa fonte do teatro as coisas se realizam. Repeti a seguinte frase “ Que “Universos meus” ainda vai se apresentar nesse teatro e muitos teatros e espaços ainda”, foi aí que o universo literalmente me deu a oportunidade de apresentar meu solo na 9º Edição do Colmeia em Blumenau/SC. Lá foi a “Jeni” de ônibus, levando seu universo particular dentro de um mala, onde tinha outras malas dentro, indo se apresentar sem recurso nenhum só ela e sua existência.
O retorno
do público foi diverso, um deles a identificação e a forma que mexeu com todos,
pois ali em cena tinha uma
palhaça fazendo de tudo para entrar em um espartilho, colocava fita, resolvia, bom ela achava que resolvia, e se sufocava,
não respirava direito, estava apertada, e no final mesmo assim sobrevive e existe em uma sociedade que se
consome pelo padrão de beleza.
Ali
no teatro havia na plateia um senhor cego e uma audiodescritora que descrevia
meu espetáculo, o sorriso dele me
atravessou, meu universo tinha tomado outra dimensão pois ele tinha conseguido captar um pouco do
meu universo.
A cena “Universos Meus” significa
tantas coisas para quem só tem 4 anos de palhaça, e que ainda tem muita estrada na vida.
Para estudar e viver de palhaçaria é preciso muita coragem, pois revelamos nosso corpo, nossa voz,
afetamos e nos deixamos afetar.
Para finalizar meu texto eu grito, meu grito de guerreira: "E I E"! Grito para encorajar pessoas a serem elas mesmas, para mostrarem o movimento pulsante que habita em seus corpos, para falar que eu sobrevivi. Grito pela coragem e liberdade de ser eu mesma, a Jeni, a palhaça Maritaca.
Autora: Jenifer Demarchi - Palhaça Maritaca - Jaraguá do Sul/SC
Currículo: Jeni Demarchi é atriz, palhaça e bailarina,. Estuda Licenciatura em Teatro na Universidade Regional de Blumenau FURB, é integrante da Rede Catarina de Palhaças e Rede de Palhaças do Brasil. Escritora do texto "Nasce uma Palhaça" na 5º Edição da Revista Palhaçaria Feminina. Possui em seu repertorio a cena Solo "Universos Meus" Dirigida por Bia Alvarez.
Foto: Jenifer Demarchi
Que delícia embarcar contigo nessa viagem de descobertas de si, Jeni/Maritaca! Que seus universos tão potentes continuem se conectando a muitos outros, nos encorajando a sermos quem somos! Parabéns e um abraço desde as Minas Gerais!
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