Ser Grato (Lendo as palhaças do Brasil)
O pai sempre respeitoso numa amenidade tamanha.
A mãe, dentro de um semblante
construído ao longo de anos convivendo com um Câncer, trazia na ligação afetiva com o filho um elo de bravura e
luz para ser lembrado em seus momentos de tristeza e dor
emocional. Cada dia seu corpo partia um pouco.
-
Meu amor bom dia .. cadê o
menino dos jogos de montar heim ? O menino das
adivinhações de bichos da
natureza, cadê ele heim?
O pai sempre sorria quando eu entrava no quarto, pois sabia que diria uma
graça para vê-lo sorrindo. Ele pegava logo na
mão do filho e dizia-me:
-
Dona Vivalda Mafalda, Deus me
disse hoje que meu filho estava pronto pra partir.
Que eu não me preocupasse, porque ele não ia sofrer nada. Apenas que eu segurasse
na mão dele.
Falei para aquele pai de como era lindo saber daquela importante
informação Divina. Fiquei um bom
tempo com ele, rezamos um Pai Nosso naturalmente iniciado pelo mesmo. Em seguida me despedi reverberando as singelas lembranças de maturidade daquela
criança e seu pai. Na noite desse mesmo dia me ligaram
comunicando a sua partida. Partiu com o pai segurando a sua mão e
pedindo a mãe para abençoa-lo.
Dia seguinte em meio as brincadeiras pelos corredores cheguei ao hospital
para a intervenção de rotina e achando que não ia mais encontra-los, as mães do serviço disseram-me de que os pais e
o corpo ainda estavam aguardando o transporte para seguir viagem até
a sua cidade origem. Respeitosamente e vestindo-se de essência potente que sou munida, fui até lá
para dar continuidade com a devida
conduta na função de acolhimento que minha história clown direcionava, me deparei com um ambiente
tão calmo, uma paz tamanha
de pessoas não apenas conformadas, mas, abençoadas e
gratas por tudo que vivenciaram ao longo desses anos de luta com aquele menino
e não com a doença.
Segundo o pai, o dialogo maior que ele teve não foi com o filho, mas com
a doença, aceitar a doença na vida
deles foi como abrir a porta de sua casa para uma visita que sempre volta para tomar um café. Depois de acolher a
doença, ele disse que acolheu seu
filho novamente depois do dia do seu nascimento. Conversei memórias em voz firme e branda com a matéria inerte do
filho na temida pedra na sala de velório do hospital,
eles riam de forma branda em meio às lágrimas, onde o pai iniciou a seguinte fala de
agradecimento:
- Eu queria agradecer por tudo de felicidade que meu filho teve aqui quando lutava, principalmente, quando vocês vinham visitar ele. Mesmo pra baixo e com dor, ele sempre fazia aquele esforço para falar com vocês. Ele gostava muito das brincadeiras mesmo sentindo dores, mas quando ele sorria e brincava, isso fazia ele ficar parado do lado da dor, só caminhava pra frente quando ela o chamava novamente. A senhora tem nosso telefone não é dona Vivalda, me faça um favor, por favor, me passe alguma foto do meu filho que vocês tiraram nas visitas e pelo vídeo. Eu queria guardar as fotos do meu filho sorrindo, mande meus abraços e agradecimentos para os outros palhaços por favor, diga a eles que muito obrigado e quanto a senhora nunca deixe de falar com nós não viu. Nunca deixe.”
Fiquei ouvindo aquelas palavras simples e cheias de verdade e ordem.
Aquele menino realmente era simples e
profundo nas suas respostas e de maneira tão óbvia chegava a ser engraçado quando conversava conosco,
me questionava em diversas situações nas intervenções com
os palhaços. A mãe continuou
os agradecimentos:
-
Ele nunca reclamava das
brincadeiras de vocês, quando estava com dores
fortes, perguntava ao psicólogo se era dia de visita dos palhaços e se
não podia ser naquela hora, Ai Dona
Vivalda quando ele falava assim, eu sabia de que as dores estavam
bem fortes. Vocês eram um remédio pro meu filho”.
Despedi-me e quem agradecia era eu por ter tido a oportunidade única de
fazer parte das melhores lembranças
do processo de adoecimento dele. Disse-lhes para não se preocuparem, pois eu estenderia a mensagem aos demais palhaços
que ali não estavam e que agora a
próxima etapa da vida que seguia estaria por vim e que as boas energias os abençoassem imensamente nessa saudade inicial com dor.
Ele me abraçou
fortemente que guardo até hoje aquele
abraço na memória.
O único distanciamento que haverá agora será o da eternidade até o
reencontro entre essas almas.
Saber que podemos fazer parte desses mundos de travessias vem em memória
o pensamento dele , quando em longa
conversa aguardando a medicação finalizar por
conta de dores fortes, eu perguntei
se ele sabia pra onde iam os palhaços(as) depois que saiam do hospital e ele poetizou essa resposta :
-
Tia, o palhaço morre com as
crianças que partem e ressuscitam nas lágrimas
de saudades dos nossos pais. Mas nascem todos os dias quando nossos pais
falam obrigado pra vocês!
A gratidão
eterniza palhaços e palhaças!
Relato de experiência
profissional contada pelo olhar da Palhaça Dra Vivalda Mafalda e
pelas mãos de sua criadora Lívia da Silva Sousa. Há mais de 21 anos, a fusão das duas, fortalece o lado laboral
como profissional da área da saúde dentro dos
cuidados paliativos, como Clown Paliativo e Capelã Hospitalar Assistencial na cidade de Fortaleza – CE.
Autora: Lívia da Silva Sousa - Palhaça Vivalda Mafalda - Fortaleza/CE
Currículo: Profissional da área da saúde com especialização em cuidados paliativos e saúde da família, Clown Paliativa,coordenadora pedagógica e de pesquisa do projeto Bobalhaço- CE e Capelã Hospitalar Assistencial.
Fotos: Arquivo interno do projeto Bobalhaço
🦋🦋😭😭😭
ResponderExcluirParabéns palhaça Vivalda , voce tem o poder da magia de transformar tristeza em sorriso. Continue semeando este trabalho maravilhoso resgatando no coração daqueles que desejam ingressar neste mundo mágico a vontade de ver o outro feliz.
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