Minha experiência no Circo

       

Terezinha Não-Me-Toque encarando Biriba, em cena no espetáculo Biriba no espeto (2008)


        Este relato é resultado de uma vivência curta em espaço de tempo, mas intensa no que diz respeito ao aprendizado e ao crescimento que me proporcionou enquanto artista e enquanto ser humano, além de resgatar uma memória de infância que até hoje norteia o meu trabalho de artista e de pesquisadora.

Assim como alguém que se aventura numa viagem ao exterior, em busca de novos conhecimentos e entra em contato com uma cultura diferente, com peculiaridades de cada lugar e sociedades, assim aconteceu comigo quando decidi que iria morar num circo no ano de 2008. No entanto, minha história com o circo começa bem antes desta data, apesar de eu não saber precisar o ano.

No ano de 1999, ingressei no Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Neste curso me foi apresentada uma linguagem de atuação que eu não conhecia, nunca havia visto, muito havia ouvido falar, mas por incrível que pareça, eu então com 18 anos ainda não havia presenciado nenhuma manifestação ao vivo desta linguagem. Refiro-me a linguagem do palhaço, que eu nunca tinha visto na minha vida, mas a sensação que tinha era que isto tudo já fazia parte de mim e estranhamente eu me vi apaixonada por um trabalho que desde o primeiro momento em que o presenciei, nunca mais se permitiu ser abandonado por mim.

Lembro-me com clareza de quando eu era criança, que ia a cidade passear com minha mãe ou vender doces nas casas. Passávamos num terreno grande, bem no centro da cidade de São Sepé, RS, em frente a uma agência bancária, onde de vez em quando estava erguida uma lona de circo e na frente uma placa grande indicando o nome do espetáculo que seria apresentado.

- Olha mãe é um circo?

Minha mãe concordava e em seguida eu derramava sobre ela várias perguntas com todas as minhas curiosidades sobre aquela “coisa” que exercia sobre mim um grande fascínio. A minha mãe não se fazia de rogada e me contava de todas as vezes que fora ao circo, das peças que assistia e das vezes que voltou para acompanhar a continuação da peça.

Mas na mesma proporção da minha curiosidade pelo universo circense, era curioso como minha mãe nunca pensou em me levar para assistir o espetáculo.

Eu com certeza devo ter pedido inúmeras vezes, ao que ela deve ter respondido:

- Minha filha, temos que pegar o ônibus hoje á tarde para voltarmos para casa, mas um dia a mãe te trás.

Estas coisas que mãe diz pra gente quando não pode nos levar em algum lugar ou quando não pode nos dar alguma coisa que a gente quer.

A única coisa que eu me lembro é o nome do palhaço: Bebé. Inclusive um palhaço muito conhecido em território gaúcho.

Depois de alguns anos, foi somente aos meus 18 anos que eu entrei pela primeira vez num circo. Minha mãe me acompanhou desta vez.

O nome era: CIRCO ESPANHOL, circo que se instalou na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul. Eu fui assisti-lo com uma expectativa que não cabia em mim. 

Vinha de um estudo que fazíamos na faculdade sobre circo e palhaços e eu cada vez mais envolvida com isso tudo, sentia estranhamente que fazia parte daquele universo, mesmo que ainda não soubesse como.

O espetáculo foi muito aquém do que eu imaginava, minha expectativa havia acabado com o show, mas me lembro perfeitamente daquele dia e de tudo o que me acontecera lá, por mais que tenham se passado 20 anos, minha memória fez questão de registrar em letras garrafáis todas as imagens da minha primeira viagem ao mundo do circo.

O Circo Espanhol se localizou num terreno médio ao lado da BR. Um lugar afastado do centro e próximo de alguns bairros pobres da cidade de Santa Maria.

Na chegada nossos pés tocavam a serragem que forrava o chão da entrada, da praça de alimentação e do próprio circo. Arquibancadas de tábuas velhas e um aspecto de pobreza e sujeira imperavam no lugar. Isso num primeiro momento me deixou desapontada, porque eu fui ao circo com vontade de ver um grande espetáculo, um lugar bonito e cheio de brilhos e magia, e não foi o que eu encontrei lá.

Quando começou o espetáculo eu percebi a simplicidade dos números, e comecei a notar que os artistas que se apresentavam no picadeiro eram os mesmos que vinham na arquibancada vender doces, refrigerantes e brinquedinhos. Quando eu voltava da praça de alimentação onde provavelmente eu tenha ido comprar pipocas, as minhas preferidas no circo eu encontrei uma senhora que vendia brinquedos típicos de circo e meio tímida, mas interessada eu puxei assunto com ela. 

Ela estava assistindo o número de equilibrismo, ou com um leão que se eu não me engano era o filho dela que se apresentava. Em poucas palavras ela me retratou que no circo todos faziam de tudo um pouco e que a menina da lira era filha do dono do circo e o dono do circo era quem fazia o número com o cavalo.

Eu fiquei emocionada porque pela primeira vez na vida eu tinha trocado algumas poucas palavras com uma pessoa de circo.

Lembro-me que os palhaços fizeram o conhecido número das Lavadeiras, que mais tarde fui conhecer melhor em estudos que fiz sobre os circos, seus palhaços e suas esquetes cômicas.

O circo era realmente pobre, este Circo Espanhol, que foi o primeiro espetáculo circense que eu vi na minha vida, mas de tudo teve uma coisa que eu nunca mais me esqueci e acredito que eu nunca vá me esquecer. Antes de começar o espetáculo, apagaram-se as luzes e bem no alto da lona e no centro estavam refletidas várias luzinhas coloridas, que conforme dançavam na lona eram acompanhadas pela voz grave do apresentador, que nestas ou em outras palavras fez um lindo discurso que me parece terminava mais ou menos assim: 


- Irmanados, saudamos todos os artistas circenses que correm o mundo mostrando sua arte.


Isso foi tão bonito, soou com nostalgia aos meus ouvidos, só que não sei como que a gente sente nostalgia de algo que não viveu. Será que a gente sente nostalgia de algo que vai viver? Disso eu realmente não sei, mas foi algo que mesmo com aquela simplicidade toda, o circo conseguiu plantar dentro do meu coração.


Rapaz contratado do Teatro Biriba para a montagem da lona na cidade de Chapecó em 2008.

E hoje olhando pra trás e pensando nele, eu vejo que o que ele tinha pra me oferecer naquele dia, ele me deu, que foi uma imagem cheia de poesia e um discurso de respeito por todos aqueles que se aventuram mundo a fora, a fim de levar sua arte, a fim de sobreviver através da arte e se agarrando a um fio da tradição que às vezes parece andar sobre uma corda bamba. 

Delicada a posição do circo, em particular o itinerante, na sociedade. Tão rica é a arte circense, em técnicas, em encanto, em fascínio, em superação e em alguns circos itinerantes parecem estar se perdendo pela própria falta de interesse de alguns artistas que sem sombra de dúvidas poderiam ter uma performance muito melhor e assim criar um espetáculo de melhor qualidade, assim como há um desgaste dos artistas pela desvalorização e em alguns casos falta de incentivo por parte das políticas públicas ou mesmo de acesso aos meios que poderiam promover este incentivo.

Depois deste evidentemente se seguiram outros circos, cada um deixando em mim um pouco de lembrança, um pouco de graça, um pouco de vontade.

E trilhando este caminho entre circos, palhaços e comicidade eu fui cada vez mais alimentando o meu desejo, o meu sonho de ser parte do circo e sem saber eu ia cada vez mais me aproximando da realização do meu sonho.


Palhaça Barrica com Leila Passos, esposa de Geraldo Passos na porta do trailler/camarim do Palhaço Biriba, em Chapecó 2008.

No início do ano de 2008 eu tive o imenso prazer de conhecer o palhaço Biriba, Geraldo dos Santos Passos. Ao conhece-lo comecei a me inteirar de uma nova linguagem teatral, a do Circo Teatro, que até então era desconhecida para mim.

Com o tempo de convivência com Biriba, que não passou de 2 meses na cidade de Chapecó, SC, foi se criando um laço muito bonito de afeto, de respeito e admiração entre ambas as partes. E foi este laço forte, criado entre artistas e entre palhaços, que me carregou cada vez mais para dentro do circo, sem que eu percebesse.

O universo circense agora estava mais próximo de mim, ou eu dele, e foi neste momento em que eu identifiquei que a minha ida para o Circo Teatro do Biriba, seria a realização do meu sonho e a oportunidade de me aventurar nesta vida mambembe além de me acrescentar um conhecimento teatral prático como eu encontraria em poucos lugares.

A ideia foi lançada, o convite foi proferido e aceito e antes do que eu pensava, já estava fazendo parte da Companhia do Teatro Biriba.

Durante sete meses convivi com a Companhia diariamente, me envolvendo com tudo o que dizia respeito ao cotidiano do circo. 

Cada acontecimento me preenchia de uma expectativa e de um encantamento diferente e intenso. 

A montagem da lona foi para mim a experiência mais encantadora, por todo o misticismo que ela trás consigo, a força que é empregada pelos homens a fim de levantar a lona e montar toda a estrutura para que se possa trabalhar dentro dela. 

É o teatro que é montado e desmontado a cada nova cidade, é um trabalho que se repete de cidade em cidade, e é sempre um ritual. 


Você pode saber mais sobre essa experiência que eu tive no Teatro Biriba acessando um artigo que escrevi para a Revista Ouvir ou Ver

http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/28128


FOTOS NO CIRCO



Personagem da Ratinha em espetáculo infantil apresentado na cidade de Guaíra/PR 2009.


Com a Dona Suzi Passos (in memorian), matriarca do Teatro Biriba.


Lavando a lona do circo, na cidade de Maravilha/SC em 2009.


Personagem da Bruxa em espetáculo infantil apresentado na cidade de Guaíra/PR e no cantinho da esquerda minha querida amiguinha do circo, Maria.


Personagem caricata apresentada em espetáculo do Teatro Biriba.

Personagem A mulher do Capitão, no espetáculo Biriba Um Soldado Trapalhão, espetáculo que eu adoro, em 2008 na cidade de Chapecó/SC.


Personagem caricata de espetáculo do Teatro Biriba.


Bem feliz decorando o texto.


Em cena com Valério Silveira, no espetáculo infantil.


Em cena com Pedro no espetáculo Biriba no Espeto.


Barrica apresentando o número musical "Sandra Rosa Madalena".


Barrica apresentando o número musical "Sandra Rosa Madalena" com Régis D´Avila.

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