Escritas de uma Palhaça (Lendo as palhaças do Brasil)
Venho
refletindo sobre este ofício. Este ser e viver circo, e quando digo isso,
afirmo e te comunico, que não venho de um circo de lona, e nem de uma família circense. Sim, posso te dizer,
que fugi com o circo, por optar o caminho
da liberdade e da autonomia.
Nunca
sonhei em ser palhaça, nem existia em meu imaginário tamanha possibilidade.
Porém, já quis ser atriz, mas
quando fui fazer teatro, achava uma chatice decorar textos. Hoje já conheci
outras formas de fazer teatro, e
venho me encantando e descobrindo mais este universo. Tem uma frase que escuto muito; “toda palhaça é uma boa atriz,
porém nem toda atriz é uma boa palhaça.”
Encontrei
a palhaçaria, ou melhor, fui completamente encontrada por ela. Quantos
pré-conceitos, quebrei em mim mesma,
para entrar neste ofício, em primeiro lugar, não imaginamos que existam mulheres e dissidências, corajosas de
mostrarem o que são, de se expressarem através do ridículo, de serem o erro, o engraçado, de rirem e deixar rirem de si mesmas.
Somos
castradas, para nos comportar de tal maneira na sociedade que vivemos, a nos vestir,
a cumprir papéis já estabelecidos, com todos
seus aprisionamentos. São tantos
padrões já não mais aceitos sobre o corpo feminino, não aceitamos mais a hiper sexualização de nossos corpos.
A palhaça por quebrar com estes padrões e subverter esta lógica machista e patriarcal, não tem vergonha de mostrar suas imperfeiçoes, e não somente exaltá-las. Se faz riso, ao seu ridículo, ela é vulgar, descabelada, exagerada, livre!
O
corpo da palhaça, quer falar, ele se movimenta, dança, sem medo, sem vergonha,
exalta beleza em sua liberdade.
Existe uma mulher dentro da palhaça que ao mesmo tempo, sente medo da vulnerabilidade e da sua liberdade.
O que elas a podem
causar? Quais são os limites?
Até onde posso
seguir, para este corpo em exposição não ser violentado?
Faço
do nariz vermelho, meu escudo, este que é considerada a menor máscara que temos
no mundo cênico. Atrás desta mini
máscara, ainda há uma mulher abrindo estes cadeados, se liberando de prisões
mentais, de medos e julgamentos. Ela quer habitar
como palhaça, criando uma segurança
em si e no entorno
que lhe rodeia, e o nariz a ajuda a estabelecer estes limites.
Ela
precisa de uma roda, ela precisa compartilhar o riso, ela quer a revolução do
amor, sem utopia, sonha por um
mundo justo, em comunhão, com liberdade de serem e se expressarem, como quiserem.
A
palhaça na rua, ocupando o espaço público, é revolucionário no meu ver, tem uma
potência de acessar mais pessoas e a
ressignificar o cotidiano, interrompendo linhas de pensamentos ultrapassados, que ainda hoje geram violência
de gênero, feminicídios, violência doméstica....
A
rua é o lugar que mais atuo como palhaça, minha pesquisa é maior vivenciada nas
praças, parques, semáforos e
calçadas, de cidades grandes e pequenas dentro e fora do Brasil, do litoral até os andes.
Nestes anos trabalhando na rua, já fui abordada de diversas formas, me deparando com machismos vindo tanto de mulheres como de homens. Opiniões sobre meu figurino, sobre minha maneira de andar, de falar, de rir, de me movimentar, opiniões que me ofendiam que me oprimiam, era preciso silenciar essas pessoas, mostrar a elas o meu propósito ali, quebrar seus raciocínios transgressores.
Aprendi
que poderia me comunicar através do riso, aprendi que poderia ser eu, que
poderia levar a minha criança
para brincar novamente, a ser mais humana, a julgar menos,
a compartilhar mais.
Euforia no viver, uma voz gritante
soava dentro de mim, é assim que eu quero habitar, palhaça.
Autora: Pamela Vilella - Palhaça Maricota - Florianópolis/SC
Currículo: Pamela Vilella, nascida no Rio de Janeiro é artista circense, palhaça e brincante. Desde 2019 começou a atuar e pesquisar a arte da palhaçaria. Foi na cidade de Salvador-BA, que aos 19 anos entrava para um coletivo de circo independente ''Circuscuz", onde lhe possibilitou viver do circo através da arte de rua. De lá para cá, foi viajando por algumas cidades do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, sempre pesquisando o circo, e vivendo dele. Atualmente, está residindo na cidade de Florianópolis, atuando no coletivo ''Floripa Circense'' e como artista independente. Atua em seu projeto ''Gira Circo'', onde faz espetáculos, intervenções, performances, oficinas de circo e arte semaforista.
Foto: Limanerck
Ela falou tudo que eu penso e queria dizer mas não sabia como 🥰
ResponderExcluirAdorei, que lindo texto! 💟
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